Fiscalização, confiança e negócios

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Na recente crise deflagrada pela “Operação Carne Fraca”, houve muita coisa desajeitada:  o suposto desvio de conduta em fiscalização localizada de frigoríficos, que segue em curso investigatório;  a “espetacularização” na divulgação da operação e até o uso equivocado de dados ou aspectos técnicos.  Como saldo, um alerta geral em países compradores da nossa carne, logo depois amenizado por rápida reação do governo e exportadores brasileiros, e também uma estimada perda de 150 milhões de dólares em exportações, até meados de abril. Tudo voltando ao normal agora, inclusive com a retomada de abate em indústrias que haviam paralisado.

Talvez seja um bom momento para se refletir sobre a estrutura de fiscalização sanitária federal no Brasil, frente ao avanço da produção de carnes no país e à evolução que se projeta para o setor. Há 15 anos o contingente de fiscais agropecuários federais está estável¹, enquanto a produção de carnes cresceu cerca de 80% e a de grãos a um ritmo de 4,8% ao ano nas duas últimas décadas². O número de fiscais voltados apenas à inspeção de carnes está na casa de 800¹ e a expectativa do setor de proteína animal é que suas exportações avancem em mais de 2% ao ano até 2024.

 

Gigante e também referência mundial em produção de carnes, os Estados Unidos trabalham com 7.800 fiscais federais voltados ao setor, quase dez vezes mais que o contingente do Brasil, para uma produção apenas 46% maior que a nossa. Uma bela discrepância. Aqui, a tarefa de fiscalizar 4.800 frigoríficos; lá 6.300. Aqui, seis frigoríficos e cerca de 34.000 toneladas de carne inspecionada/ano por fiscal; lá, menos de um frigorífico (0,80) e 6.000 toneladas/ano por fiscal.¹

 

Essa comparação simples e linear entre as realidades de fiscalização dos dois países tem suas limitações, pois aspectos como escala das indústrias, metodologias e grau de eficiência de processos também entram no jogo. Mas as diferenças sugerem que a base norte-americana com maior potencial bem maior de efetividade fiscalizadora, embora o déficit aparente no Brasil seja em parte amenizado com a contratação – pelas indústrias – de fiscais privados, colocados à disposição do sistema federal para apoiar as operações, mesmo sob o risco de ressalvas críticas, devido a potencial conflito de interesses.

“Há uma clara deficiência de agentes federais em uma atividade com tanta importância na economia”, comentou recentemente na imprensa o presidente da Cooperativa Aurora, Mário Lanznaster.¹  De outro lado, o regulamento da inspeção de produtos de origem animal (riispoa) tem 65 anos e só agora recebeu uma modernização mais estrutural, anunciada em final de março. Descaso histórico? Insuficiência de recursos?  Imprevidência planejadora?  Talvez de tudo um pouco. Mas o momento é de mirar no futuro, com objetividade e responsabilidade, pois o ‘complexo carnes’ é o segundo mais importante nas exportações de nosso agronegócio e impactos de confiança nesses mercados representam sempre alto risco econômico. 

Coriolano Xavier,

Sócio Diretor da Biomarketing, Professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM