Imagem cedida por Ricardo Martínez-García (Crédito: Divulgação)
Abaixo da superfície, plantas travam uma constante disputa pelo espaço e recursos presentes no solo. Embora ocorra escondida do olhar humano, o entendimento da complexa dinâmica de raízes no subsolo pode trazer consequências muito significativas para a sociedade, abrangendo desde a criação de plantios mais sustentáveis e eficientes, até o estabelecimento de estratégias de mitigação de efeitos climáticos.
No estudo The exploitative segregation of plant roots, publicado em 4 de dezembro na revista Science, é apresentado um modelo matemático capaz de mapear as interações entre raízes de plantas que acontecem embaixo da terra, dando uma nova luz ao entendimento de um mecanismo ecológico fundamental. O trabalho foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores de instituições do Brasil, Espanha e Estados Unidos, e contou com a participação de Ricardo Martínez-García, professor SIMONS-FAPESP no Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e no Instituto de Física Teórica da UNESP (IFT-UNESP), como um dos principais autores da pesquisa.
Em entrevista concedida por videoconferência ao ICTP-SAIFR, o professor Martínez-García fala sobre algumas das motivações do trabalho:
Muito da dinâmica dos ecossistemas na verdade acontece abaixo da terra. Se nós pretendemos entender como os ecossistemas funcionam, e como, por exemplo, respondem a mudanças globais, nós precisamos compreender o que acontece no subsolo. Não basta apenas entender a parte que conseguimos observar.
Martínez-García dedica sua pesquisa à área da Física aplicada à Biologia, em especial ao desenvolvimento de modelos físico-matemáticos para estudar sistemas ecológicos complexos, e foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento teórico neste estudo.
Ricardo Martínez-García é professor SIMONS-FAPESP no ICTP-SAIFR e no IFT-UNESP. Sua pesquisa busca empregar técnicas computacionais e de Física Estatística para examinar a formação de padrões de organização em sistemas biológicos complexos, e abrange desde estudos com micróbios até plantas e paisagens inteiras. Imagem cedida por Ricardo Martínez-García (Crédito: Divulgação)
O modelo apresentado neste trabalho simula o balanço entre a quantidade de energia gasta por uma planta para produzir uma certa quantidade de raiz em uma dada direção, em relação ao ganho de recursos – nesse caso, absorção de água – que a planta terá ao produzi-la. O professor exemplifica: Em cada ponto do espaço, uma planta somente vai colocar raízes se o recurso nesse ponto é suficientemente alto para devolver um benefício para ela. (…) Para uma planta absorver recursos a 2 m do seu caule, é mais custoso do que a 10 cm, pois como ela não pode se deslocar, precisa fazer uma raiz mais longa. Construir todo esse mecanismo mais longo é energeticamente mais custoso para ela. Então esse é o balanço.
A presença de uma segunda planta na vizinhança muda a dinâmica dessa balanço, pois nesse cenário os dois organismos passam a competir pela água disponível no solo ao redor. Dessa maneira a distribuição de raízes no solo ganha um grau de complexidade maior.
Imagine que você tem uma certa quantidade de água em um ponto do espaço. Esse ponto fica a 2 m de uma planta e a 0,5 m de outra. Mesmo que as duas dividissem essa quantia de água de maneira idêntica, para uma planta o custo seria menor do que para a outra. O benefício da planta que está mais perto é maior, por isso as plantas se espalham menos quando têm vizinhas.
Embora essa relação seja simples o bastante de compreender, o caminho para se chegar a um modelo matemático capaz de simular precisamente a proporção em que esse balanço ocorre exige uma base matemática muito forte. De fato, uma das coisas mais interessantes sobre o modelo, explica o professor, é o fato de ele ter sido inspirado por uma aparente contradição existente em modelos predecessores.
A conclusão geral na qual chegamos foi justamente que: sim, as plantas se espalham menos na presença de uma vizinha, sendo mais locais na procura de recursos, mas nas suas proximidades elas se tornam mais agressivas, isto é, produzem mais raízes perto do próprio caule.
Desse ponto em diante, o trabalho de Martínez-García e seus colaboradores deve seguir rumo ao aprofundamento do modelo: estudar as interações envolvendo sistemas com mais de duas plantas, espécies diferentes e em condições climáticas distintas esses são alguns dos próximos passos na lista dos pesquisadores.
O que fizemos foi uma primeira contribuição, dar uma ideia dos mecanismos que dominam esses padrões espaciais de raízes. Evidentemente há muito mais trabalho para fazer, mas encaixar a primeira peça é uma grande satisfação., conclui o professor.
O artigo The exploitative segregation of plant roots, publicado em 4 de dezembro de 2020 na revista Science, é de autoria de Ciro Cabal (Universidade de Princeton, Estados Unidos), Ricardo Martínez-García (ICTP-SAIFR/IFT-UNESP, Brasil), Aurora de Castro (Museu Nacional de Ciências Naturais, Espanha), Fernando Valladares (Museu Nacional de Ciências Naturais/Universidade Rei Juan Carlos, Espanha) e Stephen W. Pacala (Universidade de Princeton, Estados Unidos).
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